“As empresas operam a partir do medo de seu ego ou pelo amor de sua alma”
Richard Barrett, estudioso da comunicação nas empresas, e tem como um dos grandes sucessos no Brasil o livro “A organização dirigida por valores”.
Ultimamente tenho refletido muito sobre o modelo atual das organizações. Trabalhando com diversas empresas no sentido de levar inovação e abrir perspectivas de futuro, percebo que na maioria dos casos, há um gap entre os novos rumos da sociedade e do mercado e o sistema organizacional. Se por um lado o mundo está funcionando em rede e de maneira veloz, exponencial e colaborativa, por outro, as organizações ainda operam de forma lenta, hierárquica, linear e em muitos casos desumanas. Em meus atendimentos de coaching ontológico com ex-executivos/as ou pessoas que ainda estão trabalhando nas organizações, encontro frequentemente um nível de tristeza e sofrimento gigantes. A falta de confiança, a impossibilidade de se colocar de maneira franca e direta, a longa jornada de horas de trabalho, a liderança autoritária e centralizadora, a impossibilidade de trazer o mundo emocional para o ambiente de trabalho, a cultura de comando e controle são algumas das queixas recorrentes. Aqui não se trata de demonizar as organizações. Muito pelo contrário. Elas trouxeram um progresso sensacional para a humanidade em menos de dois séculos. Trata-se de refletir o que está desiludindo as pessoas no mundo organizacional. Segundo Geary Rummler, um dos fundadores do Performance Desig Lab (PDL), se você colocar uma pessoa boa em um sistema ruim, o sistema vence, todas as vezes. Ou seja, se nossas organizações estão influenciando nossos comportamentos e se nossos comportamentos estão “tristes e doentes”, isso é sinal de que as organizações estão doentes? O que está acontecendo com o mundo organizacional? Será que os modelos atuais de gestão não dão conta dos novos tempos?
Para me apoiar nessa reflexão, gostaria de citar o consultor Frédéric Laloux, autor do livro "Reinventando as Organizações", cuja obra me impactou no sentido de refletir sobre modelos mais humanos, mais significativos e mais colaborativos paras as empresas. É certo que a humanidade vive um momento de grande transformação e, como consequência, um novo paradigma de gestão está nascendo. Em cada era, surgiu um modelo que correspondia à visão de mundo e aos comportamentos da época segundo a política, a economia, as ideologias, às tecnologias, etc...
Atualmente estamos vivenciando uma era de transição, na qual valores de um mundo mais linear ainda permanecem e outros emergem como uma nova consciência global: a economia compartilhada e colaborativa, o crescimento de startups apoiadas na digitalização e na desmaterialização, negócios que democratizam e dão acesso a um número cada vez maior de pessoas, a sustentabilidade como emergência, novas gerações hiper conectadas e buscando trabalhar com o propósito de vida, etc...
Tudo isso, reflete na necessidade de encontrar dentro do sistema organizacional um mundo mais ágil, veloz, conectado, em rede e colaborativo. Porém, a distância entre o mundo novo e as empresas parece ser gigante. Como nos diz sabiamente Peter Drucker, considerado o pai da teoria da administração, “o grande perigo em tempos de turbulência não é a turbulência em si, mas agir com a lógica de ontem”.
As start ups, por outro lado, criadas na era da mobilidade, da conectividade, das mídias sociais, já nascem com sob a égide de um novo olhar: tanto do ponto de vista estrutural, operacional, de gestão e de processos. Há uma ausência de uma hierarquia dominadora (chefe-subordinado) mas isso não quer dizer que não exista uma hierarquia, ela só é mais distribuída e compartilhada. Outra característica é o uso de metodologias ágeis. Ou seja, o erro é incluído como parte do processo: errar rápido para acertar rápido.
Sentindo essa inadequação dos modelos de gestão vigentes, Laloux identificou e estudou doze organizações pioneiras que parecem trabalhar de forma mais adequada aos novos tempos. Segundo ele, dois pesquisadores contribuíram para o entendimento dos estágios de desenvolvimento humano: Ken Wilber e Jenny Wade e a partir desse olhar integral, o autor nos dá dicas de como passar para um estágio de desenvolvimento organizacional em linha com os novos tempos. Importante dizer que um estágio de desenvolvimento não é melhor nem pior que outro. É como uma criança e um adolescente. São fases e estágios diferentes. Apenas é importante reconhecer que o adolescente tem a capacidade de fazer mais coisas porque seu pensamento ficou mais sofisticado. Laloux fez uma pesquisa com 12 organizações inovadoras de várias partes do mundo, e buscou padrões comuns entre elas.
São três os avanços chaves das organizações inovadoras, que ele intitula de “Teal” (verde-azulado em inglês):
1. Auto-gestão: estrutura baseada em grupos autônomos, com uma ausência quase total das figuras dos gestores e de mecanismos de comando e controle (metas, orçamentos, incentivos, etc).
2. Integralidade: práticas e espaços para que os colaboradores possam se expressar como seres humanos inteiros, com suas emoções, intuições, espiritualidade e personalidades, sem ter que usar máscaras.
3. Propósito evolucionário: as organizações são incorporações de um propósito maior, que está vivo e pulsante em toda a suas ações e orienta as decisões.
Curiosamente, esses padrões de avanço, são questões constantemente apontadas como fatores de descontentamento no mundo organizacional. Uma das grandes diferenças por exemplo das organizações Teal é que, nesse estágio, quando por exemplo discordamos de outras pessoas, não caímos no julgamento, acreditando que há o certo e o errado. Ao invés disso, abraçamos as diferenças e essa polaridade, integrando as várias verdades.
Mas, como sabemos, existem outros estágios evolutivos. Vamos conhecer todos os estágios descritos no livro:
1) Infravermelho – Sobrevivência: nível mais básico de consciência, no qual a prioridade é a subsistência, equivalente a de um bebê ou animal. Não existem organizações neste nível, as pessoas se juntam em bandos desestruturados.
2) Magenta – Animista: com foco na segurança trazida pelo grupo, busca honrar os anciãos e os ancestrais. Ainda não existem organizações estruturadas, mas existem agrupamentos em tribos e vilas.
3) Vermelho – Impulsivo: com o aparecimento de um ego forte, é um nível de consciência centrado na dominação e satisfação imediata dos desejos. Primeiras organizações estruturadas, na forma hierarquias simples, baseadas na força e no medo de líderes poderosos. Exemplo: máfia
4) Âmbar – Conformista: com o surgimento da crença em um único poder maior que rege o mundo, é um tipo de consciência que segue normas, regras e preza pela estabilidade. As organizações passam a ter papeis formais (possibilitando os organogramas) e definição de processos, o que complexifica a hierarquia. Exemplo: Exército
5) Laranja – Realizador: com o surgimento do pensamento científico, neste nível a busca é por sucesso, progresso e ganho de vantagens. As organizações, ainda bastante hierárquicas, incorporam a inovação, a prestação de contas e a meritocracia. Exemplo: Empresas Multinacionais, escolas
6) Verde – Pluralista: começa a surgir um senso maior do relativismo da verdade, com foco no pertencimento e na harmonia das relações. Nas organizações, os modelos rigidamente hierárquicos começam a ser questionados, e os principais avanços são o empoderamento, a cultura baseada em valores, e o engajamento de stakeholders. Exemplo: Organizações conduzidas pela cultura como Ben & Jerry e Southwest Airlines, ONGs.
7) Verde-azulada (Teal) – Evolucionário: com forte preocupação pela sobrevivência do planeta e da espécie humana, tem um pensamento relativista e sistêmico. Na Dinâmica Espiral, a mudança do sexto para o sétimo nível representa um grande salto, e este novo nível é o primeiro que percebe e enxerga valor em todos os demais níveis (ao contrário dos anteriores, que acreditam que sua visão de mundo é a verdade). Segundo Laloux, este é o nível de consciência que dá origem as organizações inovadoras que são pesquisadas e descritas no livro. Exemplo: Empresas como Patagonia (empresa americana de roupas para outdoor) e Buurtzorg (empresa holandesa de saúde).
A pergunta então que se faz imediatamente após ler esses estágios é: Então em qual nível está minha organização? Como faço para adotar outro nível?
Acho importante dizer que os modelos nos servem como guias e não oráculos. Seria ingênuo resumir toda a complexidade da cultura e das práticas de uma empresa encaixotando-a em um único lugar. Eles nos dão o suporte teórico para identificar em quais condutas, processos e modelos pertenço a um nível ou outro.
Tudo é processo. Saltar de um modelo para outro rapidamente não é possível.
Toda transformação traz uma profunda mudança de valores, modelos mentais e formas de ver o mundo. Abrir mão de modelos hierárquicos e de controle pode ser amedrontador e imprevisível. Mas o mundo pede por propósito e não apenas lucro, por estruturas em redes e não hierarquias fixas, por autogestão ao invés do controle imposto, da possibilidade da experimentação e dom erro ao invés da infalibilidade e do verbo colaborar ao invés do laborar como uma ação que permeia toda a empresa.
E como diria Peter Senge, “os indivíduos não resistem à mudança. Eles resistem a serem mudados”.
Por mais organizações com alma em nosso mundo!
Sabina Deweik
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