O problema é sim cultural e seu trabalho não deveria estar te matando
- Joana Madia
- 6 de jun.
- 7 min de leitura
“Um estudo da International Stress Management Association (Isma) revelou que, atualmente, o Brasil ocupa o segundo lugar em número de casos diagnosticados de burnout, doença ocupacional reconhecida e classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2022.”
*Trecho retirado do artigo — Burnout: Brasil é o segundo país com mais casos diagnosticados no mundo, da CRCSP.
Em abril, publiquei um artigo — leia-o aqui —, com uma série de estatísticas sobre saúde mental e a lei NR-1, que entra em vigor no mercado de trabalho visando estabelecer as diretrizes gerais para a Segurança e Saúde no Trabalho (SST) em todas as empresas, com foco na prevenção de acidentes e doenças ocupacionais.
Para começarmos essa conversa sobre o adoecimento mental agravado pelo mercado de trabalho, precisamos considerar os desafios psicológicos pós-pandemia da COVID-19, que são diversos e afetam diferentes grupos de maneiras distintas.

A pandemia deixou marcas profundas na saúde mental das pessoas, seja pela perda de entes queridos, pela insegurança econômica, pelo isolamento social ou pelas mudanças abruptas na rotina. Vou compartilhar alguns dos principais desafios identificados no período pós-pandêmico:
Aumento dos transtornos mentais: ansiedade, pânico, depressão e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). A sobrecarga de trabalho durante a pandemia levou muitos profissionais ao burnout, que persiste mesmo após a fase crítica. Isso ocorreu em decorrência da dinâmica operacional adotada por muitas organizações, que consistiu no aumento e na concentração de demandas distribuídas em times reduzidos — ou seja, aumento da carga de trabalho.
Luto não resolvido: muitas pessoas não elaboraram os impactos emocionais gerados pela pandemia, fazendo com que o estado emocional vivido naquele período não tenha sido acolhido, ressignificado e transformado. Resumindo: é como se uma parte de nós ainda estivesse presa naquele lugar de medo, insegurança e isolamento.
Isolamento social e dificuldades de reintegração: cada vez menos, mas ainda há pessoas que desenvolveram fobia social ou que apresentam alguma dificuldade de convívio e reintegração social no período pós-pandêmico. Além disso, a globalização e o nosso hábito de solucionar tudo no online nos afastam cada vez mais do presencial — um ônus da tecnologia.
Insegurança e instabilidade: medo de novas pandemias, insegurança econômica, mudanças nos modelos de trabalho (como home office, híbrido e, mais recentemente, o retorno ao presencial) e nas relações interpessoais continuam gerando angústia. Persistem as incertezas sobre o futuro e a sensação de perda de controle.
Dependência digital: durante o período de isolamento, nosso uso das tecnologias digitais foi a única forma de nos conectarmos. Foi assim que descobrimos coletivamente o trabalho remoto e a diversão que poderíamos ter com as telas. Ainda hoje buscamos na tecnologia um alívio para a nossa realidade e, com essa fuga, nossa dependência aumenta. Para muitos, essa dependência acabou gerando distúrbios do sono, problemas de concentração e queda na produtividade.
Ainda podemos citar como desafios a transformação digital acelerada, a instabilidade econômica e a instabilidade geopolítica. É muito para ser digerido no dia a dia, mas não notamos esse atravessamento até percebermos que a dor nem sempre é individual — muitas vezes, ela é coletiva.
Agora, vamos fazer um paralelo de todos esses pontos e entender o impacto atual no cenário profissional?
Vamos partir da premissa de que, se as empresas são feitas de pessoas e a sociedade — formada por pessoas — está em crise, naturalmente o mundo corporativo também está em crise.
Crises de diversos tipos, algumas mencionadas acima, mas vamos entender os diversos impactos delas dentro do mundo do trabalho?
Transformação digital e inovação
Conectado com a dificuldade de acompanhar o ritmo da tecnologia (IA, machine learning, automação, big data, cloud computing, dentre outros), muitas vezes lida-se com a resistência interna à mudança e a falta de cultura digital — incluindo o tema seríssimo da insegurança de dados e da cibersegurança.
Tudo isso vem gerando ansiedade e insegurança em relação ao novo: medo de perder o emprego, de ter que correr mais para fazer mais atividades e de forma melhor. Vou competir com uma máquina? Devo fazer mais?
O quanto as empresas estão conseguindo, diante da cultura existente, dar espaço e voz para questões e conversas tão fundamentais, que precisam acontecer para gerar resultados efetivos? Aqui, não estamos falando de relações que alimentem paternalismo, perda de foco, falta de firmeza e objetividade, mas sim de buscar empatia e, ao mesmo tempo, a construção de estratégias para atingir os objetivos pautados.
Recentemente, li um artigo que traz uma reflexão interessante sobre qual seria o caminho do meio. Deixo aqui:

Saúde mental e bem-estar
Além de ter mencionado no começo deste artigo sobre a lei NR-1, incluo aqui um depoimento que vem me impressionando:
“Tomar remédios psiquiátricos virou um recurso generalizado dentro das empresas. A quantidade de pessoas que acompanho e que fazem uso de drogas lícitas para conseguirem se manter em seu eixo, ativas e produtivas, é algo impressionante.”
O ponto não é questionar o uso dos medicamentos psiquiátricos — porque estes foram prescritos para ajudar o indivíduo —, mas, quando temos que tomá-los para dar conta de um sistema totalmente desestruturado, desequilibrado e doente, aí sim acredito que temos algo que foge do eu e caminha para o todo.
Liderança em crise
Muitos líderes estão sobrecarregados, despreparados ou desconectados das realidades atuais — e, por isso, não conseguem engajar, inspirar ou guiar suas equipes com eficácia.
Não é só uma questão de “faltam líderes”. O problema é que a forma como a liderança foi formada e praticada por décadas... não serve mais para o mundo do trabalho, que mudou radicalmente.
No último sábado (30), aconteceu o TEDx Guararema, e a fala da Simone Cyrineu — CEO e fundadora da Thanks For Sharing — sobre o futuro do trabalho dentro de startups e organizações me chamou a atenção. Compartilho aqui algumas anotações:
01) Reduzir a jornada de trabalho não tem fórmula. Precisamos aprender a viver o tempo ocioso sem culpa e encontrar descanso. É a partir disso que a produtividade pode ser estabelecida de forma saudável.
02) 20% do tempo precisamos pensar sobre o que fazemos, por que fazemos e como fazemos. Dessa forma, não trabalhamos até o colapso — encontramos limite e propósito.
03) A semana de quatro dias é um acordo. O presente e o futuro do trabalho não é fazer mais, é fazer melhor.
Discorremos até então sobre os impactos — e poderia incorporar aqui outros tantos, talvez em outro momento —, mas vamos rever rapidamente o que temos como resultado:
Equipes com alto índice de turnover e burnout;
Clima organizacional negativo, com medo, silêncio ou falta de confiança (nunca se falou tanto sobre assédio e compliance);
Equipes desengajadas, improdutivas ou apáticas (outro sinal de desconexão absurda por falta de admiração e respeito dos liderados pelos líderes);
A “pendulação” entre líderes que acabam se tornando microgerenciadores ou completamente ausentes;
E, por último, ainda a baixa diversidade na liderança (repetindo padrões de comportamento e pensamento que não atendem às necessidades mais atuais de liderança).
A cultura definitivamente é o termômetro de como vem sendo tratada a saúde de seu time. Lembro-me de uma vez em que atendi uma empresa que atuava em uma rotação tão acelerada, mas tão acelerada, que toda vez que participava de uma reunião, me sentia em uma mesa de pingue-pongue, assistindo à bolinha ir e voltar na velocidade da luz, através de conversas em que líderes não respiravam para falar, permaneciam em estado de alerta e com o cérebro trabalhando a milhão.
Vamos pensar juntos: a médio prazo, qual é o impacto de tudo isso na saúde física, mental e emocional dos colaboradores? Qual é o benefício de jornadas de trabalho de 12/14 horas por dia? E a relação entre cultura e pessoas?
E aqui não estamos falando de empresas que não dão lucro e que não estão entre as maiores no ranking da Forbes, Fortune, Financial Times, dentre outras.
Então, a pergunta que vem é: PARA QUE CORRER TANTO? Qual é o limite sustentável do crescimento? Até quando nossos parâmetros serão baseados apenas nos resultados financeiros?
— Ah, Joana, mas já não são, no meu PDI tem vários outros pontos.
Te questiono: será mesmo? Pense na relação e no foco em diminuir o impacto da saúde mental dos colaboradores X o impacto no retorno para os acionistas. Quem ganha?
Outro dia li esta frase de uma amiga e parceira, Cecília Martins, e adorei: “Cultura não é sobre fazer as pessoas serem felizes.”
Até poderia ser, mas não é — e aqui não estou fazendo nenhum juízo de valor. Se as empresas foram criadas para obter lucro, o objetivo, então, é criar um ambiente que priorize os resultados. Mas, como continuação da frase que li:
“Apesar de a cultura não existir para fazer as pessoas felizes, este é um dos benefícios de uma boa cultura. Não o propósito.”
Em minha opinião, para isso acontecer, a liderança tem o papel de liderar — dar clareza, direcionamento, segurança, abertura e apoio — e engajar seu time. É sobre trabalhar juntos, de forma uníssona, com propósito, clareza e foco naquilo que é necessário (objetivos, projetos, indicadores e comportamentos) para entregar os resultados assumidos.
Todas as áreas têm um papel a desempenhar e nunca estão independentes para a entrega do todo. Trabalham de forma interdependente. Líderes que não estão abertos aos seus liderados, às necessidades desse time, do ecossistema e ao ciclo de evolução, não são capazes de inspirar pessoas.
A rotina do mundo corporativo (na verdade, qualquer rotina, na minha opinião) é o moedor de carne da inspiração, da inovação e do pulso da empresa que gera o crescimento.
Organizações que não oferecem ambientes onde os indivíduos possam viver e se desenvolver estão destinadas a ter uma cultura estagnada, o que, com o tempo, pode levar à obsolescência.
Líderes são os que batem o bumbo, ocupando o papel dos guardiões, exemplos e nutridores da cultura organizacional. Dentre outros pontos, a cultura está diretamente atrelada à evolução dos seus líderes, que:
Negociam com empatia e assertividade;
Têm a equipe engajada e comprometida;
Desenvolvem o time de forma estratégica;
Inspiram por meio de propósito e exemplo;
Entendem o papel de cada área dentro da organização e como funciona a interdependência entre equipes;
E fluem entre o papel da influência da cultura nos colaboradores — e dos colaboradores na cultura.
Isso posto, e depois desta volta partindo do macro e chegando ao micro, caro CEO, fundador, C-Level e líder, a bola, mais do que nunca, está nos seus pés — e está mais do que na hora de bater para o gol que irá gerar o maior impacto não só econômico, mas também social, ambiental, educacional, ético, entre outros.
Uma vez um líder desperto, seu papel, impacto e poder são exponenciais, e o efeito é cascata. E aí sim falaremos de culturas que estimulam a evolução e o crescimento — e não doenças e enfermidades que acabarão destruindo nossa vida. Afinal, sobrevivendo, muito de nós, já estamos.
Por hoje é só.
Um abraço e até a próxima.
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